Introdução
Com o avanço da tecnologia, redes sociais, aplicativos e jogos digitais tornaram-se parte central da vida cotidiana de crianças e adolescentes. Entretanto, esse novo ambiente também trouxe riscos: exposição precoce a conteúdos impróprios, violências simbólicas e reais, exploração sexual, adultização (quando menores são tratados ou apresentados como adultos), entre outras vulnerabilidades. Em resposta a esse cenário, o Brasil sancionou, em 17 de setembro de 2025, a Lei 15.211/2025, o ECA Digital, com o objetivo de atualizar o marco legal de proteção da infância para abarcar essas novas dimensões.
Principais Disposições da Lei
A seguir, os pontos centrais do ECA Digital:
- Obrigação para plataformas digitais
As empresas que operam redes sociais, jogos, aplicativos e serviços digitais devem adotar medidas razoáveis para prevenir que crianças e adolescentes acessem conteúdos ilegais ou manifestamente inadequados para sua faixa etária. Isso inclui casos de exploração sexual, abuso, violência, assédio, intimidação, automutilação, suicídio, jogos de azar e práticas publicitárias predatórias ou enganosas. - Verificação confiável de idade e vinculação de conta a responsável
A autodeclaração de idade deixa de ser suficiente. Há previsão de mecanismos mais seguros de confirmação da idade do usuário. Contas de crianças e adolescentes até determinada idade (ex: até 16 anos) deverão estar vinculadas a um responsável legal. - Supervisão parental/familiar
As plataformas precisarão oferecer ferramentas acessíveis para que pais ou responsáveis possam exercer supervisão sobre o uso das contas pelos menores. Isso inclui, por exemplo, limitação de tempo de uso, visibilidade de conteúdos, configurações de privacidade, bloqueios, etc. - Controle sobre publicidade e dados pessoais
A lei disciplina o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes, determinando regras específicas para que a coleta, uso ou compartilhamento desses dados não violem seus direitos. Publicidade dirigida ou manipulatória também será regulada com mais rigor. - Remoção de conteúdos ilegais ou prejudiciais
Conteúdos que envolvam abuso ou exploração sexual infantil, violência grave, incitação à automutilação, discurso de ódio ou jogos de azar, entre outros, precisarão ser removidos prontamente após comunicação ou suspeita. Plataformas deverão comunicar autoridades nacionais e internacionais quando for o caso. - Fiscalização e sanções
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) será transformada em agência reguladora (via medida provisória), passando a supervisionar as obrigações previstas na lei, editar regulamentos e aplicar sanções. As penalidades para descumprimento vão desde advertência, multas (que podem chegar a até R$ 50 milhões por infração ou até 10% do faturamento do grupo econômico), suspensão temporária ou mesmo proibição de atuação no território nacional. - Prazo para entrada em vigor
A lei previa originalmente que entraria em vigor em 12 meses, mas esse prazo foi vetado. Em seu lugar, foi editada uma Medida Provisória determinando que o ECA Digital comece a valer em seis meses.
Avanços
- Modernização legal: O ECA Digital atualiza o Estatuto da Criança e do Adolescente para a realidade digital, adaptando-o aos desafios contemporâneos.
- Proteção ampla: Vai além do conteúdo sexual explícito, incluindo violência, assédio, discurso de ódio, suicídio, entre outros.
- Responsabilidade das plataformas: Estabelece dever real das empresas, com exigências técnicas e procedimentais, e não apenas recomendações.
- Foco no usuário menor: Verificação de idade, supervisão parental e limitação de conteúdo são medidas que colocam a criança/adolescente no centro da proteção.
Desafios e Críticas
Apesar dos avanços, existem quesitos que demandarão atenção para garantir que a lei seja efetivamente eficaz:
- Capacidade de implementação técnica: Muitas plataformas terão de investir em tecnologia ou adaptar sistemas para verificação de idade, moderação de conteúdo, relatórios e configurações parentais robustas. Isso pode exigir custos significativos.
- Recursos regulatórios e operacionais: A ANPD como agência reguladora terá que estruturar equipes e competências para fiscalizar, investigar e punir. Há desafios quanto ao orçamento, pessoal técnico especializado e prazos.
- Acesso diferenciado: Nem todas as crianças têm o mesmo tipo ou qualidade de acesso à internet ou dispositivos; nem todas as famílias dispõem dos recursos ou conhecimento necessários para exercer supervisão eficaz. Isso pode gerar desigualdades.
- Liberdade de expressão vs regulação de conteúdo: Há tensão entre coibir conteúdos prejudiciais e não impor formas de censura indevidas. A definição de “conteúdo impróprio” poderá ser controversa e sujeita a interpretações distintas.
- Fiscalização internacional e plataformas estrangeiras: Plataformas com sede fora do Brasil podem ter dificuldades ou resistências em cumprir normas brasileiras, mesmo que atuem no país. Será necessário garantir responsabilidade legal eficaz.
Implicações Práticas
- Usuários menores de 18 (especialmente até 16 anos) terão ambientes online com regras mais seguras e controles adaptados para sua proteção.
- Pais e responsáveis ganharão instrumentos legais para monitorar, configurar e restringir conteúdos e usos inapropriados.
- Empresas de tecnologia precisarão rever seus modelos de moderação, privacidade, publicidade e design de funcionalidades.
- Órgãos de regulação e fiscalização terão papel central e deverão atuar com transparência, clareza e rapidez.
Conclusão
O ECA Digital representa um marco importante no direito brasileiro, ao reconhecer que o ambiente digital exige normas específicas de proteção à infância e adolescência. Se bem implementada, essa lei pode contribuir significativamente para reduzir riscos como exploração sexual, violência, uso inadequado de dados pessoais e a exposição de menores à adultização precoce. Contudo, seu sucesso dependerá não apenas do texto legal, mas de sua aplicação concreta, do investimento em fiscalização, do engajamento social e do equilíbrio entre proteção e liberdade.
O Dr. Rodrigo Pereira Martins é especialista em direito processual civil e direito imobiliário e condominial, atuando no segmento imobiliário há 14 anos.
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